21 de mai. de 2010

Reflexos do individualismo contemporâneo



O Renascimento e o liberalismo de Adam Smith, proposto em "A riqueza das Nações (1776)", exaltam de forma bem explícita o individualismo. Por volta dos séculos XV e XVI, os renascentistas se contrapunham ao ideal coletivista muito defendido pela Igreja, e aos senhores feudais que através dos laços de servidão, garantiam a permanência dos servos em seus domínios. Mesmo fornecendo um tratamento semi-escravo a eles, os senhores eram responsáveis pela saúde, alimentação e moradia dos servos,o que revela uma supressão de seus interesses particulares e ao mesmo tempo, a cessão de fatores básicos para a sua sobrevivência. Entretanto, com a emergência da burguesia, o livre-arbítrio é fomentado em todas as instâncias. A substituição do trabalho servil pelo contrato salarial afastou os camponeses dos meios de produção e de subsistência, retirando-os das terras e fazendo com que bancassem (agora através dos seus rendimentos) todas as condições que antes eram garantidas pelos senhores feudais. Assim, a "liberdade" estava garantida para a maior parte do povo.
Posteriormente, o "american way of life" acentuou em demasia, a demanda pelo consumo e bem-estar do indivíduo em detrimento ao bem comum. A busca da realização pessoal passa a ser a meta de muitos.
Lendo há uns meses atrás notícias sobre a morte (e vida) de J.D. Salinger, escritor de "O apanhador no campo de centeio", pude constatar o nível tão alto de individualismo e falta de preocupação com o reflexo de nossas atitudes, na sociedade em que vivemos. Não estou falando do caráter recluso, excêntrico e egoísta de Salinger,que não é novidade para ninguém, mas de como uma das figuras mais carismáticas, importantes e famosas do planeta contribuíram para que este escritor levasse tanta melancolia e sofrimento para os outros e para si no restante de sua vida.
Você deve estar pensando (permitam-me a colocação de travessões a fim de contemplar nossa conversa telepática):
- Isso é coisa de político!Foi Roosevelt?!
- Não. Não foi Roosevelt.
- Então, deve ter sido concorrência de escritores invejosos, amigos dele. Algo do tipo?
- Digo que também não.
- Já sei. Ex-mulher! Amor não correspondido.
- Errou. Foi Chaplin, acredite.
- Ahnnnn????

Isso mesmo caro leitor, Charles Chaplin. O homem que levou alegria para milhões de pessoas, que revolucionou os métodos cinematográficos, o poeta das imagens, o ultimo romântico, contribuiu decisivamente para que a vida de J.D.Salinger fosse cheia de tristezas e rancores.O livro "A Life Raised High", escrito por Kenneth Slawenski, biógrafo de Salinger, revela o quão foi dolorido para o escritor novaiorquino, ver a sua amada Oona O'Neil de 17 anos ser retirada de seus braços por um homem de 54 anos. Talvez a megalomania de Hitler exposta em "O grande ditador" tenha contagiado Chaplin. À medida que obtinha mais fama era mais costumeiro vê-lo achincalhando subordinados na direção de seus filmes, (vale a pena a arrogância e intrânsigência com pessoas a fim de atingir uma perfeição talvez nunca conseguida?) e sua inconstância amorosa levava Chaplin a buscar sua quarta mulher mesmo que para isso fosse necessário passar por cima dos sentimentos de um rapaz, recém incorporado ao Exército. Quem era aquele jovem de 20 poucos anos que ousava estar com a mulher que o magnânimo e incontestável cineasta gostaria de possuir naquele momento?
Margareth, filha de Salinger, descreveu seu pai na biografia "Dream Catcher" (2001) como um "egoísta absoluto". Um homem que acreditava que "levar seus filhos por duas semanas de férias para a Inglaterra era o maior sacrifício que poderia fazer". Ela sofria frequentes ataques de pânico e fez cinco abortos.
O egoísmo de Salinger atingiu gerações posteriores de sua família e só foi iniciada por uma ânsia desenfreada de querer tudo, sempre e de qualquer forma do homem que um dia desejou paz ao mundo.

2 comentários:

  1. O bom e velho egoísmo. Razão centrípeta de quase todos os desentendimentos, gênese do afastamento interpessoal ded nossa época. Acho que vivemos em um tempo que necessita de algo tão diferente quanto foi a revolução francesa. Mas nosso tempo precisa de uma verdadeira revolução do espírito. Não da política.

    Mandou bem, buchechudo

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  2. depois de ler fiquei pensando...como definir os seres humanos? como lembrar deles? Se TODOS já, de alguma forma, no passado , presente ou futuro terão atitudes reprováveis, egoístas, injustas, inconsequentes, estúpidas, loucas?? Acho q ver o lado bom, as coisas boas, as realizações é uma atitude louvável... ui, acho que viajei...

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