6 de nov. de 2012

A simbiose





O cheiro que
incomoda,
impregna
é o do cigarro.
Odor
abjeto
que me tira do sério.

Como podes tú,
com simples movimentos
dos braços ou dos cabelos
gerar aroma tão doce
que ao se confundir
com tais fumaças gris
transforma-se no mais longo sopro da Princesa Primavera?

É confuso
porque sabendo que fumas
meu cérebro já me direciona a ter asco do que está por vir
mas, por sair da tua boca
obrigatoriamente,
gotículas de mel vão de encontro a essa massa de ar cinza.
Desse jeito, a fumaça da cigarrilha
ao chegar nas minhas narinas
se encontra amarela, amarelinha.
E me sinto perplexamente agraciado.

De cinza, nublado
à amarelo ensolarado.
Como podes,tú?

É estranho
pois, é uma sensação de desprazer atraente
Meu olfato ainda percebe o tabaco,
mas ele está envolto pela sua fragrância.
O que me provoca curiosidade
e assim,
busco de forma incessante a origem desses inebriantes ares.

Quando as sereias cantaram:
"Venha para perto!"
Ulisses passou incólume a tentação da hipnótica canção,
por estar amarrado num mastro por seus marinheiros.
Ao te inspirar juntamente com o cigarro,
não quero mais ouvir ninguém dizendo:
"Cuidado! Cuidado! Não estás apressado?"
Entorpecido pela intensidade do seu ser,
jogarei-me de braços abertos
no reinado azul
da sereia que cativa os meus cinco sentidos.


22 de out. de 2012

A democrata cristã

- As pessoas estão cada vez mais individualistas! 
  Onde esse mundo vai parar? 
pensou Fabíola Evangelista,
num domingo
em que saíra com seu cachorro de coleira
e focinheira para passear.





20 de out. de 2012

Os meninos dos sorrisos fáceis

Dois meninos.
Muitas figurinhas.
Sintonia, amizade, diversão.
Brincam de virar cartas.
- Tio, quem falou primeiro?
É o que perguntam a mim
a fim de descobrirem quem começa a próxima jogada.

Só me resta admirar os dois pequenos mestres.

Disputam o privilégio de virar as cartas com as duas mãos
numa batalha argumentativa de chamar atenção.
Tento me inserir no contexto
como um fã aficionado por seu ídolo, ao vê-lo em ação.
Pergunto a eles
se sabem o motivo dos números pares saírem com maior frequência do que os ímpares
numa disputa de par ou ímpar.
Quem me responde é o desprezo.
Naquele pequeno universo composto por dois espíritos desprendidos
pouco importa as ciências exatas ou o racionalismo dos "tios".

Só me resta admirar os dois pequenos mestres

Enquanto perco tempo refletindo sobre erros do passado
eles aproveitam
criando, agindo e sorrindo no tempo presente.

Por isso, vivem!
Por riso!

O futuro?
Chegará no seu tempo.
Não se preocupam.
Não pensam ainda que o tempo da diversão da tarde,
pode ser o período que faltará no futuro

Por isso, vivem!
Por riso!

19 de out. de 2012

O prisioneiro

Estou em regime semi-aberto.
No confinamento
chego cedo e
recebo cumprimentos dos fiscais com um sorriso de canto de boca.
Na refeição, o básico.
Não tenho direito a bebida.
Todavia, os comandantes e seus agregados sempre arranjam, de maneira escusa, um suco ou refrigerante.
Trabalho na prisão embaixo de um sol escaldante.
Daqueles que só o Rio de Janeiro sabe proporcionar.

Ser obrigado a ficar em um mesmo lugar por muito tempo prejudica o meu estado emocional.
Tenho vontade de me mexer,
quero pular, correr
e não mais me manter na "postura adequada" do recinto.
Mas não posso.
Subverter essa demarcação significaria não ganhar os benefícios que amenizam
                                                                                                                 [sussurro...]
                                                                                                                 (mas não cessam!)
os meus sofrimentos,
quando retorno para casa.

Numa sexta-feira à noite, exercendo meu direito de liberdade parcial,
fui para a moradia de minha mãe
que já idosa e visivelmente afetada
com todos os acontecimentos decorrentes
me recebeu com um beijo amargo e desesperançoso.
Acompanhei-a ao seu quarto e vi
uma TV de 29 polegadas com LCD e LED, ligada no famoso jornal das oito horas.
Um apresentador com feições de ator hollywoodiano noticiava que uma rebelião
estava acontecendo, naquele exato momento, na capital financeira do país.
Os presos reivindicavam melhores condições de higiene no presídio e
um tratamento mais digno dos guardas e carcereiros, principalmente nas horas de trabalho forçado.
Parei por um instante e refleti:
"O quão difícil deve ser a vida de um presidiário!" 

14 de set. de 2012

Invencíveis....custe o que custar.

Cada vez me preocupa mais a forma como a sociedade em geral, enxerga os filmes como "verdades absolutas". É inegável que um instrumento como o cinema nos cativa de tal forma, que temos a impressão de sermos testemunhas oculares do acontecimento. Entretanto, devemos ter o cuidado de buscar informações complementares antes de formar opinião sobre um assunto. Confesso que não sou nenhum especialista sobre História da África e Nelson Mandela, mas tendo uma pequena preocupação com a informação que me "jogam" nas telas, encontrei esse artigo de um jornal de Valencia que levanta um ponto importante sobre o filme "Invictus" e a Final da Copa do Mundo de Rugby de 1995. O jornalista encontrou uma grave denúncia na autobiografia de um chefe de segurança de Mandela e segurança do time de rugby da Nova Zelândia na Copa de 1995 (Rory Steyn), relatando a intoxicação da equipe neozeolandesa (exceto 4 atletas) às vésperas da final, supostamente a mando de Thabo M'Beki, sucessor de Mandela na presidência. Os jogadores passaram muito mal durante a madrugada e cancelaram o treino do dia seguinte. Os All Blacks que eram francos favoritos ao título contra os sulafricanos, perderam a final, e a conquista serviu para amenizar o clima de hostilidades entre negros e brancos no país africano. Clint Eastwood e John Carlin (autor do livro que inspirou Clint a fazer o filme) ignoraram o fato. A pergunta que fica: A vitória a qualquer preço é uma forma de união ou segregação social? "Unir" (coloquem muitas aspas nisso) etnias de uma região compensa a desunião entre países diferentes?    

http://www.levante-emv.com/deportes/2010/02/06/invictus-envenenados/676329.html

También ayudaría el hecho de que los neozelandeses fueran envenenados en una cena, 48 horas antes de la final. Una maniobra supuestamente urdida por Thabo M'Beki, que relevó años después a Mandela en el poder. Sólo cuatro integrantes de los All Blacks, que se escaparon del Sandton Crowne Plaza para comerse unas pizzas con las que vengarse de la rgurosa dieta, se salvaron de la grave intoxicación. Así lo denunció años después en su biografía, "Un paso por detrás de Mandela" (Paperback), Rory Steyn, a quien se asignó la seguridad de la delegación kiwi. Steyn, que fue elevado posteriormente a escolta de Mandela y que en la actualidad integra el entramado de seguridad de cara al próximo mundial de fútbol, desconocía la operación, pero no le quedaron dudas cuando entró a medianoche en la habitación del doctor de Nueva Zelanda y vio a una decena de jugadores tumbados por la moqueta entre descontrolados vómitos: "Aquello parecía la escena de una película de guerra [É] No había ninguna duda de que habían sido deliberadamente envenenados", recuerda Steyn. Andrew Mehrtens, una de las figuras del equipo, estaba entre los más afectados. A la mañana siguiente, sólo cuatro jugadores bajaron a desayunar (¡bingo!, los que cenaron pizza) y el entrenamiento programado quedó suspendido.
Ni Carlin ni Eastwood hacen referencia a aquel turbio episodio.

29 de ago. de 2012

Liberdade - Carlos Marighella



Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte. 
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe. 
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome. 
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome” 

Rondó da liberdade - Carlos Marighella


É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer. 
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão. 
Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas. 
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

O homem deve ser livre...
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento. 
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

Encontros

Também conheci Dean Moriarty assim que meu pai morreu.
Diferente de Jack, o encontro se deu antes da morte fisica do velho,
um pouco depois da chegada  de Al e Park.
Foi um encontro estranho porque eu não pedi pra conhecê-lo.
Ele simplesmente apareceu
e já foi se sentindo à vontade.
Eu fui tomando suas caracteristicas e ele, as minhas.
Dean me ensinou a dizer mais "nãos".
Alertava-me sobre a prestatividade dada por mim
a quem se aproximava com o intuito de me ludibriar.
E me mostrou a importância em ser rude, ocasionalmente, para proteger meus valores. 
Ele costumava bater no meu rosto e dizer:
- Até quando você vai obedecer a tudo e a todos?
- Vai seguir à risca a vida que os outros desejam para você?
- Quando vai viver seus sonhos, seu otário?!
O hedonismo era o seu norte.
Me transformei assim, num errante
como Quixote
e usava como estrada,
minha própria utopia.
Comprei seus argumentos
e passei a repudiar os caminhos traçados pelo homem pós-moderno,
que procura o conhecimento desejando status e não como um alicerce para a transformação social.
Busca somente o papel dado
no final dos cursos estipulados
como essenciais na vida de um indivíduo bem-sucedido.

Mas algo ainda me incomodava nele.
A rebeldia sem causa de um utilitarista não me enchia os olhos.
Por isso, nos despedimos no final do verão de 2012,
mesmo com Dean inconformado com meu adeus.
Atravessei a rua e me apresentei à Marighella.

25 de ago. de 2012

Modinha




















Em tempos de exposição,
só quero uma grande repercussão
que a citação
procurada com desmazelo num site de buscas,
provoca
naquele que como eu,
não está preocupado com o saber,
Mas sim em parecer, ser
culto, erudito.
Se Machado ou Jorge Amado
fazem aniversário de morte
espero ter sorte
de mencionar alguma frase do finado
que ninguém tenha postado,
e seja assim, elogiado.
Não me dou ao trabalho de ler.
Só digito
Ctrl+C
Ctrl+V.
Pouco importa as 700 páginas de Crime e Castigo.
Não dou a mínima para Antologias poéticas
e biografias longas.
Quero o prático, o rápido
Que me dê retorno imediato.
É o suficiente
para impressionar meia dúzia.
Agora, só não me peça pra desenvolver
O assunto que comecei
Só me privo em dizer: - “Eu sei, eu sei!”
E não o que sei.

10 de ago. de 2012

Pássaro Azul - Charles Bukowski













Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito durão,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém te ver.
Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu derramei whisky em cima dele
e inalo fumaça de cigarros
e as putas e os empregados do bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito durão,
e digo, fica aí escondido,
quer me arruinar?
quer foder o
meu trabalho?
quer arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito esperto,
e só o deixo sair à noite
às vezes
quando todos estão dormindo.
e digo, eu sei que você está aí,
por isso
não fique triste.
Depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta pouco lá dentro,
não o deixo morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,

e você?

6 de ago. de 2012

Sr. Arkadin - Orson Welles (1955)

Sr. Arkadin promove um baile de máscaras em seu castelo na Espanha. Com o copo na mão, ele diz aos seus convidados: «Não, não vou fazer um discurso, vou propor um brinde, em estilo georgiano. Os brindes georgianos sempre são antecedidos por uma pequena estória... Eu tive um sonho. Sonhei que estava em um cemitério onde todas as lápides estavam marcadas de um modo curioso -- '1822--1826', '1930--1934', todas dessa forma, sempre com um tempo muito curto entre nascimento e a morte. No cemitério havia um homem idoso. Eu lhe perguntei como foi que ele conseguiu viver tanto tempo quando todo mundo vivia tão pouco em sua aldeia. Então ele respondeu: 'Não é que morremos cedo, é que por aqui nossas lápides não contam os anos de vida de um homem, mas apenas o período de tempo em que ele conseguiu manter uma amizade'. Um brinde à amizade».

(Último bloco do antifilme "A sociedade do espetáculo - Guy Debord")

27 de jul. de 2012

Breu

Uma vez
quis entender
porque o escuro para as pessoas
é um não-querer.
Se um dia inventaram
que o branco simboliza o que é bom
e preto, o mau
fica fácil entender
porque a degradação do negro em nossa sociedade
é algo tão banal.
Mas o foco dessa poesia é o breu que se apresenta
antes de cairmos nos braços de Morfeu.
A insegurança e a melancolia
que angustia
se dão no apagar das luzes,
pois é o momento em que
mesmo de olhos abertos
só vemos nosso interior.
Numa sociedade
em que a inércia impera
perante a miséria
a culpa é o que resta. 
E, assim, o escuro é o que se detesta.

15 de jun. de 2012

Antônio

Antônio lia a letra da música epitáfio do Titãs.

Antônio - O a-ca-so vai me pro-te-ger ...   
Raphael - Antônio, você sabe o que é acaso?
A - É tipo "por acaso"?
R - É...é sim. são coisas que acontecem sem conseguirmos explicar, de repente.
A - Eu gosto de conversar sobre essas coisas. Sabe destino?
R - Aham. Tem relação com o que a gente tá falando.
A - Sabe quando alguém fala que uma mulher tá escrita pra você? O que você acha disso?
R - Bom Antônio, de maneira geral não acredito que o humano não possa mudar a sua vida, e que tudo esteja já escrito por alguma entidade superior.
A - Essas horas que eu me questiono. Eu gosto de ler a Bíblia. Outro dia li que Deus fez os homens livres e deu a eles vontade para trilharem seus caminhos em suas vidas. Como então tudo pode estar escrito?
R - ...

15 de mai. de 2012

A mulher do próximo - Sergio Kohan

http://www.youtube.com/watch?v=jPUQLoHdoXk

‘Não desejarás a mulher do próximo’.
E a mulher do próximo pode me desejar?
E se desejo o próximo ou se ele me deseja?
... E se o próximo não deseja a mulher dele?
E se a mulher do próximo não deseja a ele?
E se os três nos desejamos?
E se ninguém deseja ninguém?
E se minha mulher deseja a mulher do próximo?
E por que não o próximo?
E se o próximo deseja minha mulher?
E se eu desejo a minha mulher e a do próximo?
E se ambas me desejam?
E se todos nos desejamos?
Sempre aparecerá alguém para dizer:
‘Vamos parar por aí, pára por aí
Não desejarás, não desejarás e ponto final’ ”.


5 de mai. de 2012

A fábrica secreta de molas





 Não é simples de se achar.
 Nem fim de arco-íris é tão fascinante quanto este lugar.
 Lá não se mora,
 mas há vida.
 As religiões se apropriaram da energia local para consolidarem seus impérios.
 Consome-se dali uma força inigualável,
 fazendo com que pessoas tomem medidas impensáveis até então. 
 A magnitude da energia nativa
 faz com que não seja díficil retirá-la,
 já que seu ímpeto é se exteriorizar.
 O que não quer dizer que todos consigam.
 Alguns dizem que ela é composta de chamas da Fênix.
 Outros cravam, sem pestanejar, que ela se localiza no coração,
 mas acredito que não.
 O coração só possui 12 centímetros de comprimento por 9 de largura.
 O que sinto não cabe em um lugar desses.



2 de mai. de 2012

Praia do Son(h)o

O cenário é perfeito.
Praias paradisíacas,
Dias ensolarados,
Companhias agradáveis,
Nativos acolhedores.
Anseio pelo momento de refletir em um feriado tão intenso.
Ficar sozinho e degustar todos os fascínios
que este pedaço de terra cercado de alteridade me propicia
era o que desejava.
À noite, quando voltava de uma caminhada entre amigos,
forçosamente,
me coloco para atrás.
Espero a epifania ...
Fecho os olhos, e o que explode dentro do meu peito
é a angústia,
o lamento.
Quando o sonho de um turista do Sono é ver
seus irmãos menos abastados em todo Brasil,
desfrutando daquele momento em conjunto,
percebe que a vida com olhos abertos é diferente daquilo.
A realidade mostra que só os culturalmente capitalizados detém esse privilégio.
Quero compartilhar com os mais humildes
a magia natural que sinto no ar,
e que não é provocada por substâncias,
mas sim por sentimentos.
E foi assim, que por incrível que pareça,
me torturei no paraíso.

30 de jan. de 2012

Cordeiro de Deus

Se o senhor é seu pastor, não se surpreenda se o compararem com um cordeiro.

10 de jan. de 2012

Como eu não me importei com ninguém - Bertolt Brecht

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.